domingo, 15 de novembro de 2009

Os pequenos atos de um grande mal

Campanha que começou em Chapecó e já ganha versões fora do Brasil provoca as pessoas a refletir sobre gestos cotidianos que minam a sociedade e acabam estimulando a corrupção em grande escala


Mensalão, farra das passagens aéreas, funcionários fantasmas, desvios de dinheiro. Os escândalos se sucedem no noticiário, e a população se diz cada vez mais revoltada. No discurso, todos são contra a corrupção, mas, no dia a dia, alguns pequenos atos também representam desvios de conduta e podem, ao longo do tempo, tornar as pessoas mais tolerantes às irregularidades.

Ficar com o troco a mais dado pelo caixa, furar fila, copiar pela internet o trabalho de outra pessoa, estacionar em vagas de deficientes, furar o sinal vermelho, trocar etiqueta de preço, colar em provas e consumir produtos dentro do supermercado e não pagar são exemplos de contravenções cotidianas muitas vezes praticadas sob o pretexto de que “só uma vez não faz mal”.

A pensadora alemã de origem judia Hannah Arendt (1906–1975) ficou famosa por conceitos, elaborados a partir do evento do nazismo, como o da banalização do mal e a aceitação do mal menor. Analisando como os hábitos éticos e morais de uma sociedade, no caso da Alemanha antes da Segunda Guerra, mudaram do dia para noite, Hannah questionava a aceitação do mal menor, o que para ela era a aceitação do mal em si.

Cultura de colocar o interesse pessoal à frente do coletivo

Traçando um paralelo com a sociedade brasileira atual, pode-se dizer que, aceitando um pequeno ato de corrupção, aceita-se os grandes atos também. E é nesta constatação que se baseia a campanha “O que você tem a ver com a corrupção?”, criada pelo Ministério Público de Santa Catarina e hoje adotada em todo o país.

– Se não peço a nota fiscal, se dou um jeitinho no troco, tento subornar um guarda, eu faço um pequeno ato de corrupção, mas também consolido e aceito o grande ato de corrupção, que pode ser o desvio de milhões por um senador corrupto ou a venda de sentenças – diz o idealizador e coordenador nacional da campanha, Promotor Affonso Ghizzo Neto.

Para o promotor, muito desta cultura vem da origem patrimonial brasileira, em que a tendência é colocar sempre o interesse pessoal à frente do coletivo. De acordo com ele, é comum, por exemplo, ver uma pessoa defendendo o meio ambiente, se dizendo contra o desmatamento da Amazônia. Porém, quando esta mesma pessoa compra uma casa na beira do mar, onde não pode construir, ela arranja uma desculpa e acha que, naquele caso, não existe problema, pois o dano ao meio ambiente nem será tão grande assim.

– Além disso, caímos frequentemente no erro da generalização, que é um mecanismo para reproduzir a impunidade, porque não se identifica ou pune os verdadeiros culpados. Então, quando adotamos o discurso de que todo político é corrupto, todo juiz vende sentença, todo promotor quer aparecer, estamos beneficiando as exceções. O desgaste das instituições favorece os corruptos – acrescenta Ghizzo Neto.

natalia.viana@diario.com.br

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